terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A Carência é Combustível Para a Inércia e Submissão


Sabem aquelas prestimosas esposas-mães-amantes de comercial de margarina? Me lembra muito os comerciais americanos dos anos 50/60, os bairros de casinhas todas iguais, ruas limpas, geladeiras e máquinas de lavar e uma máquina de costura, aparelhando  toda a casa de fantasia da família ideal americana. Como tudo se copia e a própria sociedade deseja a equivalência, aqui no Brasil existiam as revistas de bairro onde apareciam as festas dos casais da burguesia. Todos os convidados agrupados em volta dos donos da casa, sentados nas cadeiras de ferro da varanda. Minha avó guardava umas revistas dessas com  fotos de sua Bodas de Prata, uma festança de dois dias, um dia para montar a festa e a vizinhança e amigos ajudando, colocando novas cortinas, capas de cadeiras bordadas, novas cúpulas dos abajours, tudo regado a muito chopp, mesinhas da cervejaria e proteção de lonas das Forças Armadas. 
Minha família e tantas outras, não tinham nada de classe A, somente eram aqueles que trabalharam e conquistaram algo que os deixariam com um futuro tranquilo. Eles tinham pouca instrução, mas sem geladeira, sem rádio, sem tv, se trabalhava muito mais. Naquela época as esposas era literalmente tidas como companheiras de luta, com raras exceções daqueles maridos que tinham uma formação profissional melhor ou eram militares, o mundinho dos suburbanos era as festas e muita fartura para provar que tinham melhorado de vida. Por trás da foto existia um grande vazio afetivo depois de anos de casamento e muito trabalho, brigas, violência física, traições, vigilância severa das donas da casa mais ferozes, outras gastavam o dinheiros em cortes de tecido e idas a costureira todo mês, como se o traje novo fosse um emblema de vida boa.
Me lembro de minha mãe contando do enxoval, tudo em número de 12,  camisolas em cores variadas em aplicações de renda e cetim, lençõis de linho belga bordados a mão, se colocava o ninho do casal em exposição ( risos - família pobre da futura Casa Cor). Era como se aquela encenação fosse quase como a constatação do velho conto de fadas, mesmo que a maior parte deles tem sempre uma bruxa má.
Era tudo novo, noivas virgens, maridos pouco experientes,

total isenção de informação, mais ignorância quanto ao fel que jazia no ralo da casinha com gerânios na janela e pratos de prata na mesa da sala de jantar. E aquilo era "pra sempre" doesse em quem doesse. E assim existiram algumas boas parcerias, outras boas duplas comerciais a ganhar dinheiro noite e dia, muitas lágrimas depois que os maridos iam trabalhar, serviço doméstico, roupa pra lavar, crianças para cuidar, alimentar, muito dissabores raramente partilhados entre as amigas mais íntimas. Elas tinham vergonha do fracasso, do sexo não satisfatório, havia um falso pudor com o prazer.

De certa forma, fui tão longe, lá no século passado, porque ainda hoje encontro mulheres como minha avó e mãe,  casando no escuro. Claro que na maioria existia sim uma história de amor, mas sempre houve o que se desejava com o "casar", seja sair da opressão familiar, poder casar para consertar a virgindade que já se fora, o partido era bom e teria conforto, queria uma família, filhos. Na maioria essas meninas, jovens adultas vinham de uma família embrutecida, humilde e casar era uma boa solução, principalmente se não gostava de estudar ou os pais não valorizavam isto. A solução era ter seu próprio lar e desse lar nasceram filhas e filhos que pouco aprenderam com esses pais, e buscaram conquistar algo a mais e, hoje encontro amigas, conhecidas, clientes, que continuam se procurando num casamento, raras hoje em dia, mas quando as vejo sofridas naquela posição de um terrível aprisionamento a algo que quase parece uma tábua de salvação onde elas se amarram para sobreviver.

O interessante é que quase sinto um certo masoquismo, tipo daquele de minha avó quando levava uns trancos de meu avô, há uma voz de lamento, de clara insatisfação anos a fio, mas para elas é o possível. Imagino o quanto esse lago de lamentações diárias exacerbam os ânimos masculinos e nos lares mais ignorantes e o pau come por qualquer ousadia, e nos mais "civilizados" surja uma total desatenção por parte desses maridos, e o mais louco é que se juntam os filhos. O pai provedor dessas esposas que estancam nessa posição de empregada robótica carrega os filhos e se afastam dessa mãe-esposa sofrida, lamentosa e chata. Como ser feliz assim? Elas naõ se afogam, não largam o barco, (minha mãe despachou meu pai depois de 9 anos), elas continuam remando sem esperanças, sobram a elas as comprinhas no shopping, idas ao clube, viagens nas férias, tudo o que o dono da casa mandar.

Submissas e cultivando um tenebroso auto-engano de que manter o casamento é uma arte, passar por cima das traições é não ficar sozinha à mercê da raiva do ex a lhe dar uns trocados pra sobreviver. Pois ali também existe uma prisão sádica desses homens que continuam mantendo esses casamentos, como se ainda fosse vantajoso chegar em casa e ter roupa passada e comida feita. Eles além de desprezarem a vontadessa dessas companheiras, é quase um trunfo masoquista dormir com elas e mostrar a sociedade que conseguiu não fracassar como pai e marido. Mesmo aqueles que mantém uma certa amizade, há um distanciamento tal para não se idiarem olhos nos olhos. 
Isso pode se propagar por anos, as crianças crescem, casam, e eles cumprem o ritual, mas a velhice traz os medos, a fragilidade das doenças e começam a surgir as verdades ocultas, não há muito mais o porque esconder o rancor, a mágoa das humilhações, o suportar dos lamentos e queixumes,  e se vê claramente o despojar dos mantos. Surge  a raiva engolida, o ódio e o desejo da revanche.

A mulher má surge da dor, seja de um câncer, seja de uma doença limitante oriunda de um brejo de sapos engolidos, daí não duvido  de um amargo fim de vida, pois elas ainda acreditam que umas das maiores vinganças é que eles continuem a sustentá-las até a morte, mais masoquismo inconsciente. Só uma explicação, exemplo de amor negativo dos pais, violência, falta de respeito mútuo, a manutenção da fachada, (ele me trai e não durmo com ele, mas jamais alguém saberá, o próprio amante é mais um toque de vingança contra ela mesma), mas a viagem familiar, o feriado no sítio, continua essa mulher carente, passou pela relação sem se enxergar, sem lutar pelo que é seu de direito, rondava o medo de não ter para quem fazer, solidão, pobreza, lidar com o orgulho ferido pela rejeição,  resistir bravamente a um sonho desfeito e ela acomodada,  a mendigar como um fantasma sem rosto.

12 comentários:

Desabafando disse...

Vc sabe que eu já contei a história de uma amiga minha né? Totalmente submissa e dependente ao marido e o quanto isso a deixa infeliz em várias ocasiões...mas acho que hoje em dia é cada vez mais raro ver esse tipo de atitude, porque o povo vive casando e se separando a uma velocidade incrível.

Marcia disse...

Amiga querida

Se sabe que eu conheço uma mulher que vive em pleno ano de 2009 bem desse jeitinho aí que tu descreveu no post???
Fico triste , mas penso que na vida fazemos escolhas , cabe a nós tomarmos as decisões corretas...
Acho que muitas vezes a síndrome de mulher coitada , traída e que sofre violência alimenta a pena da maioria das pessoas , mas se sabe que hoje em dia reflito , não querendo generalizar , " mas será que até mesmo viver dessa forma não é muito mais cômodo , do que correr atrás e ralar prá sair de uma situação dessas com dignidade ???""
bjus e belo post !!!

,,, disse...

Olá Sócia mui mui mui amada...

No momento só de comentário nos seus, preguiça de postar hehehe. Começo pela carência, pois até os animais se rendem a essa danada. E onde há carência, há um ser disposto a TUDO para ter o que lhe falta,até mesmo aturar agressões, maus-tratos, frieza,falta de respeito...Mulher por ser mais coração, geralmente é a que mais cai nesse poço sem fundo da incompreensão de si mesma como pessoa, como ser, como essência. Muitas precisam cair nesse fosso da submissão para enxergar o caos de se viver sob o jugo de outrem. A verdade é que na sociedade hj em dia, tudo está descaradamente em base dos extremos, e msm a mais independente da mulher, se vê submissa nem que for do trabalho que a consome, maltrata, escraviza, em nome da competência...ou da aparência, onde se mutila para apresentar um corpo perfeito a falta de opção na escolha dos parceiros. Não vejo saida, trocamos um pacote de problemas por outro pacote dobrado de problemas...

Vivemos tempos dificeis.

Beijokas minha Rica

Felicia disse...

E olha, que em pleno 2009, vemos coisas desse tipo. Não sei se o mundo tá tão maluco, tão eufórico que ao mesmo tempo pessoas perdem valores e outras querem se agarrar a outros desesperadamente , que muitos se agarram a coisas inconsistentes.
É realmente uma carência que se abate e deixa pessoas sem atitude, sem forças que acabam se anulando e se tratando como nada.

Uma lástima. Não sei se culpar todo um jogo de interesses, ou a falência de amores.

Felicia disse...

E olha, que em pleno 2009, vemos coisas desse tipo. Não sei se o mundo tá tão maluco, tão eufórico que ao mesmo tempo pessoas perdem valores e outras querem se agarrar a outros desesperadamente , que muitos se agarram a coisas inconsistentes.
É realmente uma carência que se abate e deixa pessoas sem atitude, sem forças que acabam se anulando e se tratando como nada.

Uma lástima. Não sei se culpar todo um jogo de interesses, ou a falência de amores.

DESASSOSSEGADA disse...

Toc Toc passando pra dizer q to viva e que te leio amanha, não to com preguiça hj mas sim no meio de uma aula chataaaa

bjos

Sà-lamandra disse...

Desabafando, infelizmente é muito comum pessoas que se submetem a uma infelicidade por puro comodismo, falta de auto-estima e uma visão muito tosca de que a vida é assim mesmo. Mudar o rumo é precisar mexer dentro de si nos seus valores e crenças, reformular, isso dá trabalho, e muitas vezes as pessoas acreditam que essa atitude ou falta de atitude seja a de alguém que está ganhando a batalha da aceitação, mas se vamos conhecer a história dessas pessoas, são personalidade oprimidas, que mesmo vivendo placidamente , elas não são felizes, não criam, não fazem por si mesmas, buscam sim pequenas coisas que as compenssem, eu vejo isso como um grande vazio, negado por elas claro, imagina, normalmente são resistentes a qualquer coisa que as ponha em contato mais profundo com seus reais sentimentos, carências e deveres com sua real motivação.
Pra mim são escravas de sua própria inércia evolutiva.
Beijo

Sà-lamandra disse...

Márcia, concordo totalmente contigo, acredito mesmo que na maioria das vezes é medo de crescer, de sair de uma zona de "conforto masoquista". Pior é que algumas conseguem mesmo se tornar mulheres amargas e vão ser mais usadas ainda nas vingancinhas que tentam investir.
Beijokas

Sà-lamandra disse...

É verdade minha flor venusiana, a coisa ta feia, me dá muito agonia ver essa placidez dolorosa, esse lamento me dá ganas de dar umas boas palmadas e "acorda" , mas na posição de conselheira, pode meus arroubos e observo, catuco e deixo vir o desejo de tentar, aí vou com tudo mostrar novos caminhos, mais espaço e assim maior negociação com a possibilidade de se viver algo de mais qualidade.
Beijunda
Sà♥♥♥

Sà-lamandra disse...

Pois é Fel[icia, já fui muito carente afetivamente, e custei a derrubar meu orgulho e admitir isso, uma carência que me fazia me submeter por necessidade de amor.
Hoje ainda tenho minhas carências, mas mais consciência e sou de uma personalidade mais individualista, talvez por isso casar até hoje não tenha sido uma opção de ir até o fim, no meio do caminho, mesmo tendo segurana do amor, eu preciso de privacidade, a interdependência na relação me aprisiona, me tole e pulo fora. A essas amigas mais íntimas digo: "é por isso que estou solteira, não me submeteria a tais coisas...".
Beijo

Felicia disse...

E te dou total razão !
Concordo com isso..
Eu sinto carência de coisas que me confortam, me agregam, conjunto.
Se for pra boicotar, julgar, tolir, fique longe.

Felicia disse...

E te dou total razão !
Concordo com isso..
Eu sinto carência de coisas que me confortam, me agregam, conjunto.
Se for pra boicotar, julgar, tolir, fique longe.